O Grupo dos Cereais do INIAV-Polo Elvas, para além do melhoramento genético vegetal e da conservação in vivo dos recursos genéticos, tem como função investigar e resolver problemas da fileira dos cereais. Atualmente, em conjunto com outras instituições, promove uma série de iniciativas com resultados importantes no setor dos cereais e na economia nacional.
Figura 1 – Ensaios realizados nos campos do INIAV-Elvas
O consumo quase omnipresente de cereais confere-lhes uma posição privilegiada na nutrição mundial. As projeções atuais preveem que, em 2050, a população mundial atinja mais de 9 mil milhões de pessoas e que, até lá, a procura por alimentos deverá aumentar cerca de 70%, o que exigirá um aumento na produção de cereais.
Na Europa, o trigo é o cereal mais consumido (109 kg/capita/ano), fornecendo diariamente cerca de 16 g de proteína per capita, valor que poderá aumentar nas áreas urbanas e nos países menos desenvolvidos, onde se preveem maiores crescimentos demográficos.
Em Portugal, o cenário no setor dos cereais não é muito favorável, já que a área ocupada com culturas cerealíferas tem vindo a decrescer continuamente. Nos últimos anos as produções por hectare, devido aos constrangimentos climáticos e ao ressurgimento de certas doenças, não têm sido muito elevadas, sendo atualmente o nível de autoaprovisionamento inferior a 30% (no trigo passou de 49% para menos de 4%).
Os programas de melhoramento de cereais focam-se no desenvolvimento de novas variedades mais produtivas, com plasticidade de adaptação num contexto de alterações climáticas, resistentes/tolerantes a doenças e de melhor qualidade, para darem resposta à procura de produtos finais otimizados e nutricionalmente mais ricos, destinados a alimentar a população mundial crescente.
Aumentar a produtividade
Os aumentos de rendimento na produção de cereais terão de ser alcançados com recurso a variedades mais adaptadas, com melhor resposta produtiva aos riscos climáticos em ambiente mediterrânico e mais resistentes às doenças e pragas prevalecentes.
Neste contexto, o Programa de Melhoramento de Cereais do INIAV tem desenvolvido um trabalho contínuo de seleção de novas variedades que tentam dar resposta às questões anteriores. Pretendem-se variedades mais eficientes a produzir em condições ambientais irregulares, ou seja, com um potencial genético que lhes permita limitar a quebra de produção em anos secos, e usufruir de um final de ciclo mais ameno e com maior humidade. Na tabela 1 apresentam-se as variedades de cereais mais recentemente inscritas, ou em fase de candidatura ao Catálogo Nacional de variedades.
Tabela 1 – Variedades de cereais do INIAV inscritas ou em candidatura ao CNV.
Melhorar a rentabilidade da produção de uma forma sustentável
Nesta linha, o INIAV-Elvas tem realizado inúmeros estudos, que pretendem selecionar e validar as melhores opções agronómicas, assentes no recurso eficiente dos fatores de produção (água e azoto).
Exemplo disso, são vários os projetos e iniciativas desenvolvidas em parceria com outras Instituições e diversas Organizações de Produtores, como é o caso do projeto “Valorização de trigo-duro de qualidade superior para o fabrico de massas alimentícias”, ou da “Formação técnica para produção de cereais de outono/inverno visando a rentabilidade e estabilidade de produção”.
Estes projetos têm permitido testar diferentes soluções técnicas adequadas à produção de cereais de outono/inverno de qualidade, discutir a sua eficiência e transferir o conhecimento adquirido aos agricultores de modo eficaz.
Valorizar e diferenciar a qualidade tecnológica
O conceito de qualidade de um cereal, ou seja, a aptidão para ser transformado e produzir um bom produto final, é bastante complexo e abrangente, uma vez que reflete os requisitos inerentes a toda a cadeia de valor.
Depende da gama de produtos finais (trigo-mole), diferentes interesses dos players da cadeia de valor, evolução tecnológica do processamento, questões culturais, tendências sociais, etc.
De entre os cereais, o trigo assume o principal destaque, pois possui características funcionais únicas, que lhe conferem uma enorme versatilidade de utilização no fabrico de diversos produtos, cada um com um perfil de especificações bem diferentes (Figura 2).
Figura 2 – Diversidade de produtos obtidos a partir do trigo definidos em função dos requisitos de dureza, força (W), e teor proteico [1]
A qualidade do trigo é definida com base numa série de requisitos que condicionam o rendimento em farinha ou sêmola, o processamento industrial e as características dos produtos finais.
A escolha da variedade de trigo tem um papel fundamental na garantia da qualidade, mas o uso adequado dos fatores de produção é fundamental para que ocorra uma expressão máxima do potencial de qualidade.
É necessário ajustar o itinerário técnico em função do ano agrícola e ter em conta que a dicotomia produtividade/qualidade tecnológica não evolui no mesmo sentido, pelo que adubações mais tardias são aconselháveis a uma adequada acumulação de proteína no grão e obtenção de um trigo de elevada qualidade.
A valorização dos cereais em Portugal passará sempre pela qualidade. Os cereais têm de se diferenciar, para fazer frente aos cereais de outras proveniências. Neste contexto, é importante definir estratégias que envolvam toda a cadeia de valor e estimulem a produção nacional.
A LVR – Lista de variedades recomendada de trigo de qualidade é uma das iniciativas que mais se tem destacado. A recomendação de variedades baseada em informação independente, através de uma lista corroborada por todos os elementos desta fileira, surge da inevitabilidade de melhorar a competitividade do trigo nacional, diminuindo a grande dispersão de variedades existentes e se obterem lotes de grão mais homogéneos, de maior dimensão e qualidade. A LVR é, atualmente, uma importante ferramenta de apoio para os agricultores.
Outra abordagem que contribui para a valorização e diferenciação da qualidade, é a criação de produtos certificados que acrescentam valor aos cereais, através da sua rastreabilidade ou identidade.
Um exemplo de sucesso neste setor foi a criação da marca “Cereais do Alentejo” que tem aumentado a incorporação de trigo nacional no fabrico de diversos produtos (pão, massa, cerveja e farinha de uso culinário), certificados e elaborados com os cereais do Alentejo. O consórcio inicial envolveu um agrupamento de produtores, uma empresa de primeira transformação e uma panificadora, que, apoiados pelo Clube de Produtores do Continente, transformou mais de 200 toneladas de trigo em pães certificados. O conceito tem-se alargado a outros membros e gama de produtos e a incorporação de trigo nacional tem aumentado consideravelmente.
Figura 4 – A marca “Cereais do Alentejo”
Valorizar a qualidade nutricional
A mudança dos padrões alimentares e a crescente consciencialização da influência do sedentarismo na qualidade de vida levou à necessidade de se reconsiderar, numa perspetiva mais sustentável e nutricional, a qualidade dos alimentos à base de cereais.
Os cereais, quando consumidos na sua forma integral, possuem uma elevada qualidade nutricional, constituindo uma importante fonte de calorias, proteínas, fibra dietética,
vitaminas (em particular do complexo B), minerais e antioxidantes.
Os principais estudos de epidemiologia alimentar mostram associações inequívocas entre o aumento do consumo de grãos na forma integral ou de fibra oriunda dos cereais e benefícios específicos para a saúde humana. Por este motivo, existem atualmente vários avisos (EFSA Claims e outros) que visam aumentar o seu consumo, como meio de promover o controle glicémico (diabetes e obesidade), a regulação do colesterol, a prevenção de doenças cardíacas e a redução do risco de alguns tipos de cancro.
Esta corrente de valorização nutricional dos cereais está a ganhar importância em toda a Europa, com um mercado em expansão para o desenvolvimento de novos produtos onde os nutrientes e compostos bioativos, naturalmente presentes nos cereais, sejam preservados. Na mesma linha está também a expansão do segmento de mercado dos produtos biológicos, devido à sua procura crescente por parte dos consumidores.
Em Portugal, esta tendência tem levado ao aparecimento de uma nova geração de padeiros que pretendem retomar o antigo conceito de panificação tradicional como forma de produzir pães nutricionalmente mais ricos. Privilegiam os trigos nacionais atuais ou ancestrais, moendas mais artesanais (frequentemente com mós de pedra).
Também neste nicho de mercado, o grupo de Cereais do INIAV-Elvas tem contribuído para a valorização do trigo nacional ao colaborar com várias entidades que exploram esta vertente da panificação.
O papel do INIAV na estratégia de valorização dos cereais nacionais é reconhecido pelos diversos players do sector. Nos últimos anos, tem-se assistido a importantes avanços no trabalho desenvolvido, nomeadamente na interligação entre os membros das diferentes fileiras, conseguindo realizar-se uma investigação aplicada às necessidades reais dos seus intervenientes.
Esta linha de ação está em consonância com a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais que pretende reduzir a dependência externa, consolidar e aumentar as áreas de produção, viabilizar a atividade agrícola em todo o território e criar valor no sector dos cereais.