Ana Sofia Bagulho1,2, José Moreira1,2, Rita Costa1,2, Nuno Pinheiro1,2, Conceição Gomes1, Ana Sofia Almeida1,2, Armindo Costa1, José Coutinho1,2, Benvindo Maçãs1,2

1 – INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, Polo de Elvas

2 – GeoBioTec – Universidade Nova de Lisboa, Campus da Caparica

As irregularidades interanuais do clima mediterrânio têm consequências ao nível do ciclo vegetativo do trigo duro e do seu potencial de produção, não afetando tão significativamente a qualidade. A promoção desta cultura passa pelo aumento da estabilidade de produção, com valorização da qualidade, através do recurso a variedades oriundas do melhoramento genético. A fertilização com aplicações fracionadas contribui para aumentar a eficiência de utilização do azoto por parte das plantas, potenciando a qualidade.

Enquadramento

Figura 1. Vista geral do ensaio, INIAV-Elvas, 2020

Em Portugal, a área ocupada com culturas cerealíferas tem vindo continuamente a decrescer, sendo que, em 2020 apenas se semearam 3 940 hectares com trigo duro (ANPROMIS, 2020).

Um dos principais problemas da produção agrícola de trigo na região mediterrânea é a irregularidade interanual ao nível da produção, que é fortemente condicionada pela instabilidade climática e pelos episódios de stresses abióticos de duração, frequência e intensidade variáveis. No entanto, a qualidade do grão para o fabrico de sêmolas e massas alimentícias é tendencialmente favorecida por este clima moderadamente seco, com temperaturas e número de horas de sol elevadas durante o período de enchimento do grão.

Para reverter esta tendência decrescente, é importante promover o aumento da estabilidade de produção deste cereal, através da utilização de variedades oriundas do melhoramento genético, mais adaptadas e com potencial genético de qualidade. A utilização cada vez mais eficiente dos fatores de produção, fertilização e rega também é essencial.  Neste sentido, a aplicação fracionada da fertilização azotada ao longo do ciclo vegetativo da cultura tem sido uma abordagem usual para a redução de perdas de azoto por lixiviação e para aumentar a sua eficiência por parte da planta (Pinheiro et al, 2000).

O azoto é o elemento essencial, que mais influencia o rendimento e a qualidade tecnológica do trigo, pois condiciona o desenvolvimento da planta e a acumulação de proteínas no grão. Na qualidade, o teor proteico do grão é o parâmetro mais determinante já que, de forma direta ou indireta, influencia outros parâmetros, como a vitreosidade, o teor e qualidade do glúten.

O trabalho aqui apresentado foi desenvolvido no âmbito do “Grupo Operacional – Valorização do Trigo Duro de Qualidade Superior para o Fabrico de Massas Alimentícias”. Pretende-se avaliar o efeito da variedade e da época de aplicação da fertilização azotada, em diversos parâmetros agronómicos e de qualidade do trigo duro, sob o efeito de variáveis climáticas extremas. Utilizaram-se cinco variedades de diferentes proveniências e cinco tratamentos com aplicação fracionada de azoto em função das principais fases fenológicas do trigo.

Ensaios Experimentais

Durante dois anos agrícolas 2018/19 e 2019/20, instalaram-se nos campos experimentais do INIAV-Elvas, ensaios em blocos casualizados com três repetições, com uma densidade de sementeira de 400 grãos viáveis/m2 e dois fatores em estudo: variedade e fertilização.

Utilizaram-se 5 variedades de várias proveniências: Fado e Vadio – portuguesas, Don Ricardo -espanhola, Anvergur – francesa, Claudio – italiana, e, 5 modalidades de fertilização azotada, tendo-se aplicado 150 UN/ha fracionados em função das fases fenológicas da cultura (Figura 2).

O recurso a regas suplementares de apoio ocorreu de modo a manter a cultura em conforto hídrico durante o seu ciclo de desenvolvimento.

Figura 2. Tratamentos de fertilização dos ensaios: adubos utilizados em cada época e seu fracionamento. Total/ tratamento=150 UN/ha (exceto em T0).

Clima nos dois anos agrícolas 2018/19 e 2019/20

Nas Figuras 3 e 4 apresentam-se as condições meteorológicas que ocorreram durante os dois anos de ensaios: a distribuição intra-anual da precipitação e o registo diário das temperaturas máximas e mínimas ocorridas desde a sementeira dos ensaios até ao momento da sua colheita, sendo também assinaladas as regas suplementares realizadas.

Figura 3. Temperaturas e precipitação registadas em Elvas em 2018/19: Precipitação de inverno 44,0 mm; Precipitação de primavera: 85,7 mm; Regas: 82 mm. Tmáx acima de 25 °C: 5 dias em abril e 24 dias em maio. Indica-se o intervalo em que ocorreu o início das fases fenológicas para o conjunto de variedades.

Figura 4. Temperaturas e precipitação registadas em Elvas em 2019/20. Precipitação de inverno: 142,6 mm; Precipitação de primavera: 277,6 mm; Regas: 20 mm. Tmáx acima de 25 °C: 1 dia em abril e 20 dias em maio. Indica-se o intervalo em que ocorreu o início das fases fenológicas para o conjunto de variedades.

O ano agrícola 2018/19 foi um ano seco, com apenas 130 mm de precipitação desde a sementeira (janeiro) até ao final do ciclo da cultura (junho), com uma distribuição irregular, tendo que se iniciar as regas de apoio antes do encanamento. Durante o mês de março registaram-se 23 dias com temperaturas máximas superiores a 20-25°C, o que contribuiu para acelerar o desenvolvimento vegetativo do trigo. Posteriormente, durante a fase do enchimento do grão, verificaram-se 12 dias com temperaturas máximas iguais ou superiores a 30°C, penalizantes para o correto desenvolvimento do grão.

O ano agrícola 2019/20 foi um ano bastante contrastante em relação ao anterior, com um total de 420 mm de precipitação durante o ciclo da cultura, de grande incidência na primavera, pelo que apenas se realizaram duas regas de apoio. As temperaturas primaveris também foram mais amenas, o que beneficiou o desenvolvimento vegetativo e reprodutivo das plantas e o enchimento do grão.

Resultados

Em 2019/20 uma data de sementeira mais precoce (Tabela 1), provocou uma antecipação na data de espigamento de todas as variedades comparativamente a 2018/19 (entre 11 a 26 dias). Este aspeto, associado a condições metereológicas favoráveis durante o período de formação e desenvolvimento do grão, levaram a um alongamento do ciclo e do período de enchimento do grão (12 dias no caso do Anvergur, a 21-22 dias no caso do Don Ricardo e Claudio), com repercussões ao nível do seu peso (8 a 11 g superior em 2019/20) (Tabela 2).

Tabela 1: Comportamento fenológico das variedades estudadas nos dois anos 2018/19 e 2019/20: data de espigamento, duração do ciclo e período de enchimento do grão.

Os valores de produção (Tabela 2) foram claramente superiores em 2019/20, pois para além do peso do grão, os restantes componentes da produção que afetam o número de grãos/m2, também beneficiaram das condições meteorológicas ocorridas durante a primavera. Dos fatores, variedade e fertilização fracionada, apenas a variedade influenciou significativamente estes parâmetros. A variedade Anvergur, de tipo facultativo/alternativo, apresentou datas de espigamento mais tardias, e, relativamente às outras variedades,destacou-se por ser a mais produtiva nos dois anos. Uma das características principais do Anvergur é o tamanho da espiga (nº de espiguetas/espiga) (dado não apresentado), que se reflete no número de grãos/m2 e no rendimento final (Tabela 2), apesar do peso do grão ser o mais baixo nos dois anos.

As condições meteorológicas ocorridas em 2018/19 penalizaram, de um modo geral, mais a produção (Tabela 2) do que a qualidade dos trigos duros avaliados (Tabelas 3 e 4).

Tabela 2: Efeito da variedade e do fracionamento da fertilização no peso de mil grãos (PMG), número de grãos/m2 e produção nos dois anos 2018/19 e 2019/20.

Os valores de teor proteico foram mesmo superiores em 2018/19 devido a dois efeitos conjuntos: maior disponibilidade de azoto para o enchimento do grão, como consequência dos menores valores de rendimento obtidos e menor peso do grão, como consequência do stresse térmico ocorrido durante o seu enchimento que afetou mais a deposição de amido do que das proteínas. Os fatores estudados, variedade e fertilização fracionada, foram determinantes para a variação do teor de proteína (Tabela 3). A resposta das variedades na acumulação de proteína no grão foi diferente nos dois anos, com a variedade Claudio a destacar-se em 2018/19 e Fado em 2019/20. As aplicações mais tardias de fertilizante azotado (T2, T3 e T4) conduziram a uma maior mobilização deste elemento para o grão.

Na massa do hectolitro (Tabela 3) não se observaram diferenças acentuadas entre os dois anos, com valores compreendidos entre 80,4 kg/hl e 85,6 kg/hl, indicadores de uma boa adaptação das variedades, com o Anvergur a apresentar os valores mais baixos. Este parâmetro, conjuntamente com a vitreosidade, constitui o principal indicador do rendimento em sêmolas. Foi maioritariamente influenciado pela variedade, com destaque para Claudio e Vadio nos dois anos agrícolas.

A vitreosidade (Tabela 3) é uma característica do trigo duro, cuja perda/decréscimo leva ao enfraquecimento da estrutura do grão, devido ao aparecimento de espaços preenchidos por ar. Está normalmente associada à ocorrência de precipitação durante a maturação do grão, pelo que apenas em 2019/20 se observaram diferenças mais acentuadas. As variedades não apresentaram a mesma suscetibilidade à perda desta característica, sendo os trigos Claudio e Anvergur os mais afetados. Também se observaram diferenças ao nível dos tratamentos de fertilização fracionada, pois os que originaram maiores valores de teor proteico também estiveram associados a maiores valores de vitreosidade. Portanto, grãos com maior teor proteico ficam mais protegidos contra a perda de vitreosidade em variedades mais suscetíveis.

Tabela 3: Efeito da variedade e do fracionamento da fertilização na massa do hectolitro, na proteína e na vitreosidade do grão nos dois anos 2018/19 e 2019/20.

Tabela 4: Efeito da variedade e do fracionamento da fertilização no teor e parâmetros indicadores da qualidade de glúten – índice de glúten e SDS nos dois anos 2018/19 e 2019/20

Quanto ao teor de glúten (Tabela 4), a fertilização fracionada foi o fator que mais influenciou este parâmetro, com as aplicações mais tardias de fertilizante (T2, T3 e T4) a beneficiaram a acumulação de proteínas totais do grão e, dentro destas, as que formam o glúten. Tal como no teor proteico, as variedades Claudio e Fado foram as que mais se destacaram, respetivamente, em 2018/19 e 2019/20.

O índice de glúten e o teste de sedimentação SDS (Tabela 4) são indicadores da qualidade das proteínas do glúten que constituem cada variedade sendo, portanto, parâmetros com maior cariz varietal. O grupo de variedades estudadas foi bastante homogéneo em termos de qualidade do glúten, destacando-se ligeiramente a variedade Vadio.

Conclusões

No presente estudo, a variedade foi o fator que mais afetou a variação da produção e dos parâmetros com ela relacionados, sendo a maioria das características de qualidade influenciadas pela variedade e pela fertilização fracionada. Os tratamentos de fertilização com aplicações mais tardias (T2, T3 e T4), conduziram a uma maior mobilização do azoto para o grão e, consequentemente, maiores valores de proteína, vitreosidade e teor de glúten.

Os parâmetros indicadores da qualidade do glúten (índice de glúten e volume SDS) foram mais influenciados pela variedade, embora não se tenham notado diferenças muito acentuadas.

Os resultados contrastantes obtidos nos dois anos estudados demonstram a enorme influência da variabilidade climática, típica do clima mediterrânico do sul de Portugal, no rendimento e em menor escala na qualidade do trigo duro.

Agradecimentos

Este estudo foi suportado pelo projeto Valorização do Trigo Duro de Qualidade Superior para o Fabrico de Massas Alimentícias, Ação 1.1 – Grupos Operacionais, PDR2020

Bibliografia

Pinheiro, N.; Costa, R.; Gomes, C.; Bagulho, A.S; Coutinho, J.; Moreira, J.; Coco, J.; Costa, A.; Almeida, A.S; Maçãs, B. (2020). Vida Rural, Nº 1854, Ano 67, fev 2020: 32-36.

massa portuguesa

Um sonho antigo dos produtores de cereais do Alentejo foi concretizado, com o apoio da Nacional, uma reconhecida marca portuguesa de massas alimentícias.

Consciente da qualidade do trigo duro proveniente das searas de Brinches, Beja, Beringel, Ferreira do Alentejo e Elvas, esta marca que já conta com 165 anos de história, produziu uma edição limitada de cerca de 500 toneladas de pacotes de massa, em dois formato distintos: linguine e gemelli, com a sub-marca ‘Alentejo’.

Este projeto, que está carregado de simbolismo e que se quer diferenciador, incorpora mais uma novidade pois a massa será produzida em molde de bronze, o que lhe confere uma rugosidade e caraterísticas únicas.
esparguetemassa tortelini
Esta aposta da Nacional, reflete uma ligação de proximidade que se quer cada vez maior, entre os produtores de cereais do Alentejo e a indústria, e que só foi possível graças ao esforço conjunto de várias entidades ligadas quer à produção quer à investigação, onde se destacam para além da Cerealis – empresa que detém a marca Nacional:

  • a CERSUL – Agrupamento de Produtores de Cereais do Sul, S.A.;
  • a ANPOC – Associação Nacional de Produtores de Cereais;
  • o IPBeja/ESA – Instituto Politécnico de Beja/Escola Superior Agrária;
  • o INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária;
  • a Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches;
  • a Cooperativa Agrícola de Beringel;
  • a Globalqueva;
  • a Procereais;

De modo a garantir-se a qualidade a que a marca Nacional se impõe, a rastreabilidade deste produto final, foi assegurada pela Certis, Lda., um organismo independente de controle.

Sabia que?

  • segundo o INE, a área semeada de cereais tem diminuído desde há cinco anos a esta parte?
  • prevê-se que na campanha deste ano, se atinja um mínimo histórico de 121 mil hectares, a menor área dos últimos cem anos (desde que existem registos sistemáticos)?

Face aos dados anteriores, em que a produção de cereais em Portugal tem vindo a decrescer, esta parceria com a Cerealis*, um dos mais importantes grupos agroalimentares portugueses, mostra-se essencial para o reconhecimento deste setor, e um estímulo particular para o Alentejo, o maior produtor de cereais do país.

* Este grupo transforma anualmente mais de 440 mil toneladas de cereais, sendo os seus produtos comercializados nos 5 continentes.

O Grupo, que é líder nas massas alimentícias e nas farinhas industriais, também está presente no mercado com farinhas para usos culinários, cereais de pequeno almoço e bolachas. Milaneza, Nacional e Harmonia, são três das principais marcas que a Cerealis coloca à disposição do consumidor.

O primeiro passo está dado!

Cabe agora também aos consumidores estarem atentos a estes novos produtos, que promovem e acrescentam valor, ao que de melhor se faz no nosso país.

Nós já experimentamos…

Do que está à espera?